José Ozildo dos Santos
Até os fins do século XVII, o
Curimataú paraibano era habitado por tribos indígenas, pertencentes à
grande nação tarairiús, verdadeiros tapuias do Nordeste, que desde os
primórdios da colonização, se opuseram à penetração lusa e à conquista
de suas terras. Tais tribos, dividiam o sertão paraibano com os cariris,
com os quais, muitas vezes foram confundidos.
Nação dividida em muitas tribos, os tapuias praticavam o
endocanibalismo, ou seja, comiam seus próprios parentes, alegando “que
não havia lugar melhor para guardar os seus do que dentro de si mesmo”.
Possuidores
de uma grande altura, força e coragem, os tapuias corriam como um
cavalo, alimentando-se basicamente de mel de abelha, “que habilmente
tiravam das árvores e misturavam com o pó moído dos ossos de seus
mortos, para beber”. No Curimataú paraibano, habitavam as tribos
Janduís, Canindés, e, especialmente, no local onde se ergue hoje a
cidade de Cuité, os Sucurus.
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Aspectos da cidade de Cuité na década de 1940, no fundo,
vê-se a Matriz de Nossa Senhora das Mercês
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O povoamento da Serra do Cuité iniciou-se após a guerra de expulsão dos
bárbaros, na qual o homem civilizado de maneira cruel e inominável
exterminou os primeiros habitantes da região. Nos primeiros anos do
século XVIII, aqui chegaram os primeiros povoadores, procedentes das
margens do Rio São Francisco e Zona da Mata de Pernambuco, em busca de
terras propícias à lavoura e à criação de gado.
A primeira sesmaria concedida na
região onde hoje constitui-se o município de Cuité, datada de 08 de
dezembro de 1704 e transcrita por João de Lira Tavares, em seu livro
“Apontamentos para a História Territorial da Paraíba”, refere-se ao
Conde de Alvor, que através de um seu procurador, solicitava terra ao
longo do Olho D'água do Cuité, “que delle nasce o rio Jacu, agoas
correntes para o Rio Grande e Apudy”.
Ainda
em dezembro de 1704, Bartolomeu Barbosa Pereira, José Gomes Pereira,
Antônio Mendonça Machado e o capitão Antônio Carvalho de Vasconcelos,
requereram e obtiveram datas de terras ao longo do Rio Jacu, nas
proximidades da Serra do Cuité.
Aspectos da cidade de Cuité na década de 1940, no fundo,
vê-se a Matriz de Nossa Senhora das Mercês.
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Entretanto, os primeiros sesmeiros
cuiteenses, salvo uma ou outra exceção, não vieram pessoalmente tomar
posse das terras obtidas e dirigir suas fazendas. Faziam através de
procuradores, como é o caso do Conde de Alvor, que segundo Celso Mariz,
residia em Santos, onde era Provedor da Fazenda Real.
Entre os primeiros sesmeiros da Serra do Cuité, apenas o capitão
Antônio Carvalho de Vasconcelos permaneceu na região e em 17 de outubro
de 1731, solicitou do governo da Capitania da Paraíba, a ratificação da
sua data de terra ao longo do Rio Jacu, alegando não tê-la registrada
dentro do prazo determinado pelo regimento da Provedoria da Fazenda
Real, por descuido, pois achava-se “o suplicante naquele tempo no dito
sertão, ocupado na povoação das ditas terras”.
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Aspectos da antiga Praça Rio Branco, no centro da cidade
de Cuité, na década de 1940. Atual Praça Gervásio Furtado.
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A fundação da cidade de Cuité cabe ao coronel de milícias Caetano Dantas
Correia, que juntamente com sua esposa dona Josefa de Araújo Pereira,
doaram meia légua de terras nas proximidades do Olho D'água do Cuité,
para constituição do patrimônio de uma capela, que pretendiam erigir com
invocação a Nossa Senhora das Mercês. A referida escritura de doação,
datada de 17 de julho de 1768, foi lavrada na povoação de Nossa Senhora
do Bom Sucesso do Piancó, pelo escrivão Antônio Gonçalves Reis Lisboa.
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Aspectos do Cuité antigo. |
Considerada como a ‘certidão de batismo’, esta escritura foi descoberta
pelo historiador Coriolano de Medeiros e transcrita na Revista do
Instituto Histórico e Geográfico Paraibano. Assim, “tão somente movidos
de superiores impulsos e intensa devoção”, Caetano Dantas e sua esposa
doaram as terras necessárias à constituição do patrimônio da referida
capela de Nossa Senhora das Mercês, principiando, em sua fazenda, a
povoação da Serra do Cuité.
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Rua Getúlio Vargas, na década de 1940. |
Caetano Dantas Correia era natural da
cidade da Paraíba do Norte, onde nasceu em 1710. Foram seus pais o
português José Dantas Correia e dona Isabel da Rocha Meireles. Esta,
paraibana, filha de Manoel Vaz Varejão. Na idade de 17 anos, já sem seus
pais, Caetano seguiu para os sertões de Piranhas, em companhia de seu
irmão mais velho Antônio José Dantas Correia, onde permaneceu pelo
espaço de 25 anos.
Posteriormente, em 1752, instalou-se com fazendas de gado no Riacho das
Carnaúbas, no Seridó norte-riograndense. Em 1753, já casado, aquele
desbravador fundou a fazenda Carnaúba, que pela continua assistência de
seus descendentes, tornou-se lentamente uma povoação e recebeu o nome de
‘Carnaúba dos Dantas’.
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Aspectos da Rua Getúlio Vargas, na atualidade. |
Após a morte de Caetano Dantas, ocorrida em 18 de julho de 1797, o
latifúndio da Serra do Cuité foi partilhado em doze partes e consignado a
dona Josefa e aos filhos: Micaela, Francisca, Caetano (2° do nome),
Simplício, Maria, Manoel Antônio, José Antônio, Gregório e Alexandre. Em
1848, os herdeiros e sucessores do referido coronel solicitaram a
retificação dos limites de suas terras, demarcando também, os limites da
meia légua de terra, patrimônio da Paróquia de Nossa Senhora das
Mercês, doado em 17 de julho de 1768.
As últimas décadas do século XVIII constituem um período obscuro na
história da cidade de Cuité. O certo, é que o agrupamento humano que se
formou em redor da capela de Nossa Senhora das Mercês, somente após a
criação da freguesia é que adquiriu delineamento urbano.
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Antigo Sobrado da Rua Getúlio Vargas, década de 1940. |
Cuité, que teve em Caetano Dantas seu
fundador, à semelhança de Piancó, derivou da “conjugação do elemento
religioso, representado pela edificação de uma capela, com o elemento
econômico, apoiado na criação de gado”, conforme nos informa o
historiador José Octávio.
Em 12 de agosto de 1801, os moradores da Serra do Cuité, reuniram-se na
vila de Mamanguape, em casa do vigário João Feijó e na presença do
padre João Francisco Fernandes, assinaram um termo, no qual, se
obrigavam a sustentar seus párocos, tomando por base os princípios
estabelecidos na freguesia de Nossa Senhora Santana, sediada na Vila
Nova do Príncipe (atual município de Caicó, no Rio Grande do Norte), da
qual seria desvinculada a nova sede paroquial.
Dom Joaquim de Azevedo Coutinho, bispo de Olinda, Pernambuco, a quem
era subordina a Paraíba e o Rio Grande do Norte, designou o padre João
Feijó de Brito Tavares, ‘visitador geral dos sertões baixos do Norte’,
para instalar a nova freguesia. Tal instalação, ocorreu no dia 25 de
agosto de 1801, oportunidade em que tomou posse o padre Manoel Fernandes
Pimenta como primeiro cura e vigário da Serra do Cuité.
Segundo Irineu Pinto, o governo da Paraíba, em 1829, levou à presença
do Imperador, “a duvida em que estam os moradores da freguesia do Cuité,
na jurisdição a que devem pertencer, pois que ali não foi eleito o Juiz
de Paz por não saberem onde devem votar, se na Vila do Príncipe no Rio
Grande do Norte ou em Areia, onde desejam ficar, por ser mais perto e
mais commodo”.
O
Decreto Regencial, de 25 de outubro de 1831, fixou os limites da Vila
Nova do Príncipe (Caicó), na Província do Rio Grande do Norte, ficando
assim, toda a ribeira do Seridó pertencente àquela freguesia, com
exclusão, porém, de toda a Freguesia dos Patos e parte da do Cuité, que
sempre pertenceu à Província da Paraíba. A partir de então, a povoação
do Cuité passou a ser reconhecida como um termo da Comarca de Areia, que
abrangia também Campina Grande, São João do Cariri e Bananeiras.
Ainda em 1852, o naturalista francês Luís Jacques Brunet, visitou a
povoação do Cuité. Juntamente com o relatório encaminhado ao governo
provincial, Brunet enviou também alguns espécimes da fauna da região, as
quais, posteriormente, foram enviadas ao Instituto de Botânica do Rio
de Janeiro, onde foram estudadas e classificadas.
Pela Lei Provincial n° 04, de 27 de maio de 1854, a povoação da Serra
do Cuité foi elevada à categoria de vila, com a denominação de ‘Vila do
Cuité’. Era então Presidente da Província, o senhor João Capistrano
Bandeira de Melo.
Em 25 de junho de 1872, pela Lei n° 480, foi criada a Comarca de
Borborema com sede na Vila do Cuité, sendo seu primeiro juiz de direito,
o Dr. Alfredo da Gama Montezuna. Suspensa pela primeira vez em 1881, a
referida unidade judiciária foi restaurada em 13 de dezembro de 1882,
com a nomeação do Dr. Ivo Magno Borges da Fonseca, que instalou-se em
Cuité, a 5 de janeiro de 1883.
No governo do vice-presidente Dr. Manoel Dantas Correia de Góes
(descendente direto de um irmão do coronel Caetano Dantas Correia), o
Dr. Ivo Borges levou ao conhecimento dos poderes públicos as
dificuldades em que viviam os habitantes da Vila do Cuité durante a seca
de 1888-1889. Em socorro ao povo cuiteense, foram enviados cem sacos de
farinha e seis contos de réis, os quais, “foram distribuídos e
aplicados em obras de caráter publico no Município”.
Com a remoção do Dr. Ivo Borges da Fonseca para a Comarca do Conde, em
agosto de 1891, a Comarca de Cuité foi novamente suspensa. E sua segunda
restauração ocorreu em 14 de maio de 1900, pela Lei n° 149. Na época,
foram nomeados os Drs. Antônio Simeão dos Santos Leal, como juiz de
direito, e, Salustino Elvídio Carneiro da Cunha, para juiz municipal.
Por razões políticas, a Comarca de Cuité foi transferida em 29 de
outubro de 1904 para Picuí, dando-se sua instalação em 24 de novembro do
mesmo ano. Na questão, figurou como pivô o deputado Graciliano Fontino
Lordão, que pretendia “contentar as aspirações dos seus amigos que em
parte residiam em Picuí”.
Casarão de Jeremias Venâncio dos Santos, construindo no início do século XX. |
Em 1911, com a nova divisão administrativa do Brasil, Cuité passou a
ser subordinada a Picuí, que ganhou foro de município. Esta condição
durou até 18 de dezembro de 1936, quando o governador Argemiro de
Figueiredo sancionou a lei Estadual n° 99, restaurando o referido
município com o nome de ‘Serra do Cuité’.
A emancipação política de Cuité foi sendo fruto de um movimento
popular, onde destacaram-se Jeremias Venâncio dos Santos, João Venâncio
da Fonseca, João Teodósio da Silva, Basílio Fonseca, padre Luiz
Santiago, Rivaldo Fonseca, Benedito Venâncio, Jovino Pereira e Pedro
Viana da Costa, que seria o primeiro prefeito constitucional do novo
município, oficialmente instalado no dia 25 de janeiro de 1937.
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Padre Luiz Santiago, um nome ligado à história de Cuité |
No ano seguinte, por força do Decreto Lei Estadual n° 1.164, o referido
município teve seu nome simplificado para CUITÉ, sendo constituído por
dois distritos: o da sede e o de Santa Rosa.
Artigo publicado na ‘Revista Tudo’, suplemento especial do ‘Diário da
Borborema’, Campina Grande-PB, edição de domingo, 28 de janeiro de 1990.
Fonte: http://www.construindoahistoria.com
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